Evasão Invisível
Existe uma preocupação recorrente nos meios maçônicos a respeito da evasão. Muitos maçons têm solicitado o Quite Placet. Vemos isso diariamente. Não há distinção de grau. Desde aprendizes até maçons que frequentam os graus nos ritos que os contêm.
As explicações exaradas para justificar tais situações transcorrem sob diversas matizes. Entre elas podemos citar as sindicâncias mal feitas, iniciações/elevações/exaltações e sessões mediocrizadas, rotina entediante, entre outras tantas. Não são poucas.
Maçons descontentes com alguma coisa promovem razões para saírem. Saem. Alguns até voltam depois de um determinado tempo. Outros nunca mais retornam.
Outro fator que vem a lume é de que vivemos numa sociedade em constantes mudanças. O interstício de tempo entre uma e outra se reduz com o passar dos anos. Estruturas que antes eram atraentes, mas que não acompanharam a realidade dinâmica do pensamento, costumes e práticas humanas, mantendo-se estáticos e com soberba, perderam espaço. Uma frase lapidar, dentro dos meios maçônicos, que representa esta perda de contato com a realidade, encontra-se no mantra: “A Maçonaria é perfeita. Os maçons é que são imperfeitos.”. Algo, sem sombra de dúvidas, fora de prumo.
Entram dez, saem dez, entram cem, saem cem, entram mil, saem mil. Parte dos que ficam alegam que os que saem não entenderam a Maçonaria, ou não a deixaram entrar em si. Por questões matemáticas podemos concluir, sem dificuldade, que a quantidade que sai é inúmeras vezes superior a que permanece. Assevera a escritora Sue Knight: "Faça o que você sempre fez e você terá sempre o mesmo resultado.". A convicção dogmática de certos preceitos impede uma avaliação do que se encontra fora de compasso.
Desejo neste pequeno texto abordar que a evasão na Maçonaria é maior do que normalmente percebemos e que existem muitos outros, iniciados, que deixaram a Ordem, mas que, paradoxalmente continuam nela. A eles dedico o título de “Evasão Invisível”.
A Maçonaria são os maçons. A roda não gira sozinha. São pessoas que fazem a roda girar. Por característica da instituição Maçônica, ação, pesquisa, leitura, liderança, formação, inquietude, questionamento, são alguns, ou deveriam ser alguns dos estimulantes que fluem nas veias dos seus membros. Abdicar destes elementos é dilapidar a essência maçônica que se espera de seus praticantes. Um expectador não é um ator. A Maçonaria não pode prescindir de atores, daqueles que se comprometem em agir, ter iniciativa, estudar, propor, liderar. Se assim não for, não são maçons, mas meros expectadores. Não são maçons em seu significado mais íntimo, contudo estão na Maçonaria. Usam aventais transparentes. Dificilmente a Ordem e seu ideário podem contar com os mesmos, pois não exercem qualquer protagonismo. São jogadores de futebol que nunca entram em campo, são masterchefs que não entram em cozinhas, são mestres de obra que não comparecem ao canteiro de obras.
Poderíamos, quem sabe, classificá-los conforme suas maneiras de ser. Ouso, respeitosamente, apresentar alguns exemplos.
Maçom Contribuinte: Paga sua mensalidade para manter o título honorífico de maçom e, quem sabe, buscar alguma vantagem na sociedade. De vez em quando aparece na Loja. Comumente não sabe nada da ritualística, ou muito pouco e evita assumir cargos.
Maçom Correspondente: muito semelhante ao anterior. Por ter suas contribuições pecuniárias em dia, ou quase, entende que já é o suficiente. A Loja também acha que sim. Não raro justifica sua ausência por problemas de ordem profissional ou familiar, em especial e por mera coincidência, quando seu time de futebol entra em campo no dia e hora da sessão.
Maçom Rito: para este a Maçonaria se resume a seu rito predileto e de estimação. Não tem participação em atividades propostas por sua Oficina. Nunca pega num tijolo, nunca monta uma cesta básica de alimentos, nunca a entrega a uma instituição de caridade. Sua vida maçônica se resume a estudar o rito e ritual e defendê-los como a oitava maravilha do mundo. Para ele rito é fim e não meio. Perdeu o foco do compromisso social e, não raras vezes, de sua própria família.
Maçom Medalha: trata-se daquele que só se enxerga maçom quando sob holofote. Acredita que é luz, que é o próprio caminho. Caracteriza-se por aventais limpos e reluzentes, mãos de peles macias, caixas de medalhas e diplomas maçônicos. Aparece nas reuniões de homenagens e especiais onde pretende ficar em destaque. Fácil identificá-lo graças a excelsa capacidade de se ofender com exímia facilidade.
Maçom Rotina: caracteriza-se por cumprir tudo que manda o figurino. Comparece às sessões, paga em dia suas contribuições, participa do ágape. Não lê, não pesquisa, não apresenta trabalhos, concorda e discorda conforme a tese defendida pelo locutor, adora ágapes, mantém os rituais sem orelhas, sem amarelos, ou desgastes.
Maçom religioso: enquadram-se nesta classificação aquele que tornou e resumiu a Maçonaria a uma religião. A sessão é uma missa dominical. Vai, reza, volta. Vai, reza, volta. Precisa da Ordem para se sentir vivo e com seus compromissos espirituais a prumo.
Maçom Cifrão: entra na Ordem com o fito de tirar alguma vantagem no mundo profano. Eventualmente até participa de alguma atividade como forma de parecer atuante e presente. Quando não encontra o retorno esperado, via de regra pede o Quite Placet ou, nem isso, pois abandona e é colocado na irregularidade.
Esta classificação não pretende ser imexível, inatacável e exclusiva. Encontramos, por certo, características de um, presentes em outro e a densidade ou intensidade, variando em cada caso no particular.
A Maçonaria tem um eixo central. Ela quer que seus membros sejam ativos e, muito mais que ativos, sejam profícuos, construindo a sociedade idealizada. As coisas não acontecem por acaso, não caem do céu. Tudo é obra de mentes que pensam, pesquisam, planejam, e, principalmente, executam. Voltando a figura anteriormente citada, a Ordem precisa de atores e não de expectadores. A força do exemplo é que produz as grandes transformações.
Quando maçons ficam na expectativa de ordens, ou de exemplos que venham de cima, começam a perder sua finalidade dentro da Arte Real. É desejável, para não dizer obrigatório, que o maçom goste de ler, ou, pelo menos, se esforce e leia alguns livros para se instruir e ajudar na grande obra, para ter uma opinião embasada, para oferecer bibliografia, para ter opinião própria, para compreender e ser compreendido. É essencial que tenha iniciativa, atitude, desprendimento. Seja exemplo de proatividade, de humildade, de saber.
Entrar na Ordem para ser apenas assistente ou reboque não condiz com o que se espera de um verdadeiro maçom. Quantos profanos são iniciados na Ordem, sobrevivem dentro dela e saem ou morrem sem saber a razão do avental e caem no esquecimento?
Os irmãos, que busquei exemplificar na classificação, representam uma evasão invisível. Ela existe, é detectável, e representa Quite Placets invisíveis. Neste aspecto podemos considerar que o número de maçons cadastrados em uma Oficina ou em uma Potência não corresponde necessariamente a realidade, pois não distingue aqueles a quem a Ordem pode contar e aqueles que a Ordem não consegue alcançar.
Me aporta à reflexão que a Iniciação não faz o maçom, nem o torna visível, mas sim suas iniciativas, suas ações, suas atitudes, seu pensar, suas obras. Estas qualidades edificam seu legado de homem íntegro, probo, exemplar, enfim, de um verdadeiro e efetivo construtor social.
Por derradeiro, concluo, trazendo duas perguntas às quais peço o auxílio dos irmãos para me auxiliarem na resposta:
Qual é a evasão mais danosa ou sentida?
Dos que efetivamente saem ou dos que permanecem - invisíveis?
Desejo a todos muita paz, luz e felicidade.
Nelson André Hofer de Carvalho
Bibliografia
Introducão A Neurolinguistica - Sue Knight
Um pouco da experiência maçônica pessoal
Um pouco da experiência maçônica pessoal