Precedência - III - Oficina REAA

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RITO ESCOCÊS DO BRASIL   -   III

Precedência

              Em 26 de novembro de 1927 o Supremo Conselho do Brasil assinou tratado com a Grande Loja Simbólica do Rio de Janeiro para assegurar obediência sobre o uso dos Rituais para os Graus Simbólicos do Rito Escocês Antigo e Aceito pelas Grandes Lojas estaduais brasileiras a partir de 1928. O Supremo Conselho rompera com o Grande Oriente do Brasil e precisou criar Potências que liderassem e coordenassem as Lojas Simbólicas e realizassem as tarefas administrativas inerentes ao funcionamento dessas Oficinas. O Supremo Conselho entregou rituais de Aprendiz, Companheiro e Mestre como sendo do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Há quase cem anos se praticava o Rito no Brasil. O Supremo Conselho tinha os exemplares ritualísticos usados pelo simbolismo das Lojas Capitulares do Grande Oriente do Brasil. Bastava adaptá-los e repassá-los para as Grandes Lojas fundadas, retirando os conteúdos dos graus 4 ao 18. Mas os rituais de Aprendiz, Companheiro e Mestre entregues à Grande Loja Simbólica do Rio de Janeiro, em 1927, foram muito diferentes do que se conhecia e praticava do REAA no Brasil, sem precedência em Lojas Simbólicas. Não correspondiam ao Rito Escocês Antigo e Aceito como constava no papel da capa.


              Os graus simbólicos do Rito Escocês Antigo e Aceito tiveram redação própria desde 1804, em Paris. A partir de 1816, ainda na França, quando o Grande Oriente de França constituiu a Loja Capitular do Rito Escocês Antigo e Aceito e assumiu a liturgia e a jurisdição dos primeiros 18 graus, promoveu algumas alterações nos rituais de 1804, como o Oriente com piso elevado, mas preservou o catecismo anterior. A Loja Capitular foi trazida para o Brasil e adotada pelo Grande Oriente do Brasil. O Supremo Conselho do Brasil aprovou esses rituais. Mas o Supremo Conselho inventou outros rituais depois da cisão com o GOB. E nesses aplicou o nome do Rito Escocês Antigo e Aceito. Desde então, os maçons brasileiros tiveram dois rituais muito diferentes dos graus simbólicos do REAA; os antigos usados pelas Lojas do GOB e os recém criados para as Grandes Lojas. O ritual de 1928 inaugurou outro Rito no Brasil. A Escada de Jacob e as múltiplas Instruções em cada grau, como se verifica no ritual de Emulação, a corda de 81 nós, as colunetas das Luzes, são algumas dentre várias novidades do escocesismo brasileiro. Os rituais originais franceses precedentes do Rito Escocês Antigo e Aceito nada referem sobre esses símbolos e têm uma Instrução do grau.  


              As inúmeras discrepâncias entre os rituais dos graus simbólicos adotados no Brasil pelo GOB e os rituais criados pelo Supremo Conselho dissidente, estimularam as centenas de alterações introduzidas nos rituais das Grandes Lojas estaduais ao longo dos anos até o presente. Cada nova Administração de Grande Loja em todo o país realizou modificações, procurando aproximar os rituais de 1928 aos do Rito Escocês Antigo e Aceito que era conhecido pelos maçons mais antigos, em especial os que se transferiram do GOB com suas Lojas. Tantas são as mexidas no ritual que o Supremo Conselho publicou nota, reproduzida a seguir, para salientar que uma Grande Loja assinou documento se comprometendo a não alterar o ritual criado pelo Supremo Conselho.


              A publicação do Supremo Conselho está intitulada “Precedência”. No cabeçalho do documento não consta o nome do Supremo Conselho, substituído pela foto da cabeça do Comendador. A boa ética maçônica não apóia o culto à personalidade. O título escolhido “Precedência” não poderia ser mais adequado para recordar 1928, ano que marcou o lançamento de rituais sem nenhuma precedência de uso em Lojas Simbólicas do REAA. Os rituais de 1928 compilados pelo Supremo Conselho são únicos. A precedência invocada agora não foi respeitada em 1927.


              O Rito foi criado em 1801 sem graus simbólicos e completado em 1804, em Paris, quando foram confeccionados os primeiros rituais de Aprendiz, Companheiro e Mestre. Precederam 124 anos de prática do REAA e o Supremo Conselho do Brasil inventou rituais diferentes e os atribuiu ao Rito Escocês Antigo e Aceito.




              O visual e o conteúdo da atual declaração mostram o cuidado de não fazer constar no cabeçalho o nome do Supremo Conselho para não caracterizar posição de autoridade sobre as Grandes Lojas e, com isso, colocar em risco os reconhecimentos internacionais das mesmas. A história revela outro tipo de precedente, em 1930, que deve ter preocupado o Supremo Conselho. A Grande Loja do Rio de Janeiro enviou correspondência às outras Grandes Lojas mandando retirar o nome do Rito Escocês Antigo e Aceito vinculado ao de cada Grande Loja porque as Potências estrangeiras negavam reconhecimento às Grandes Lojas brasileiras recém criadas, alegando que elas eram subordinadas ao Supremo Conselho. E tinham razão; no art. 2 do Decreto 4 do Supremo Conselho essa subordinação está plasmada. Para atenuar a resistência das Potências estrangeiras foi decidido trocar Grande Loja Simbólica do Rito Escocês Antigo e Aceito por Grande Loja dos Maçons Antigos, Livres e Aceitos. As Grandes Lojas norte-americanas aceitaram o artifício e fizeram tratados de reconhecimento de regularidade com as novas Potências brasileiras.


              No texto “Precedência” a autoridade do Supremo Conselho sobre as Grandes Lojas brasileiras fica mascarada. A alegação de esbulho de competência refere-se ao direito autoral sobre o ritual de 1928, que realmente pertence ao Supremo Conselho porque é uma criação sua, que recebeu o título do REAA, embora formado por procedimentos estranhos aos do ritual original desse Rito. A publicação da reprimenda ganhou conotação pessoal do Comendador e não institucional do Supremo Conselho.  O Supremo Conselho não tem competência legal para fiscalizar rituais dos graus simbólicos. Mas como os procedimentos e diversos diálogos nos rituais de 1928 desenham um novo Rito, o Supremo Conselho tem o direito de reclamar que seja mantida a originalidade do seu invento.


              Se os rituais das Grandes Lojas fossem do simbolismo do REAA o Supremo Conselho, por prudência, não reclamaria jurisdição sobre os mesmos. Eles são de domínio público. Mas o Supremo Conselho usou de argúcia e inteligência, em 1928, para abrir um canal de influência sobre as Grandes Lojas. Criou um novo ritual para os graus simbólicos, ou seja, colocou um produto seu dentro da rotina funcional das Grandes Lojas. O ritual diferente facilitou o registro de patente de direito exclusivo e isso permite que o Comendador critique os esbulhos das Grandes Lojas nas alterações. Se o Supremo Conselho tivesse entregado para as Grandes Lojas rituais antigos semelhantes aos adotados com o GOB, antes de 1928, esse direito não existiria porque são rituais reconhecidos e praticados em outros Orientes estrangeiros dos quais o Supremo Conselho não tem exclusividade. Diante disso, cabe a pergunta: quem praticava no mundo, em nome do REAA, os rituais cedidos para as Grandes Lojas? Resposta: ninguém. Por isso, são exclusivos do Supremo Conselho, embora pouco ou nada tenham de Rito Escocês Antigo e Aceito.


              Os Supremos Conselhos têm jurisdição sobre os graus filosóficos do REAA e não devem interferir na autonomia das Potências dos graus simbólicos.  Aos maçons menos informados sempre é conveniente salientar: o Rito Escocês Antigo e Aceito nasceu em 1801 nos Estados Unidos sem graus simbólicos próprios. Os primeiros rituais de Lojas Azuis produzidos foram obra da Grande Loja Geral Escocesa, em 1804, Potência Maçônica não subordinada ao Supremo Conselho. Os segundos rituais do simbolismo foram elaborados pelo Grande Oriente de França, Potência não subordinada ao Supremo Conselho e que, em 1815, até fundou um Supremo Conselho subordinado ao GOF
Os Supremos Conselhos jurisdicionam Lojas dos graus 4 ao 33. Não fiscalizam rituais dos graus simbólicos do REAA. Quando o primeiro Supremo Conselho foi fundado nos Estados Unidos e o segundo na França, tiveram oportunidade de produzir rituais próprios para o simbolismo de suas Lojas em 1801 e 1804. Não fizeram. E por quê? Porque nos Estados Unidos, base da origem do REAA, o Supremo Conselho não teve a mínima possibilidade de se envolver com as Lojas Simbólicas e nem com as jovens Lojas Simbólicas do Rito que estão surgindo por lá. Portanto, pensar diferente disso configura hipótese ridícula, impensável. O mesmo vale para a Inglaterra e para a França. Não se deve confundir a ação de fundar Lojas Simbólicas, que os Supremos Conselhos podem, com interferir na autonomia, sob qualquer pretexto inclusive ritualístico, das Potências Simbólicas, que os Supremos Conselhos não podem.


              Na eventualidade de representação formal de Grande Loja brasileira às Grandes Lojas norte-americanas, por exemplo, manifestando a tentativa de interferência do Supremo Conselho em sua soberania através dessa publicação encabeçada pelo Comendador, os tratados de reconhecimento de regularidade assinados pelas Grandes Lojas dos Estados Unidos com nossas Grandes Lojas podem ser denunciados e rompidos. E isso ainda pode acontecer.
O melhor para o aperfeiçoamento ritualístico das Grandes Lojas brasileiras é o Supremo Conselho exercer seu direito de propriedade sobre o ritual de 1928 e retirá-lo de uso das Grandes Lojas sob argumento de esbulho de competência. Assim, desapareceria essa influência constrangedora e as nossas Grandes Lojas teriam a liberdade de obter e praticar rituais originais do REAA da França ou dos Países Baixos. Mas o Supremo Conselho não quer isso. É apenas jogo de cena para (im)pressionar.   


              Concluindo, por enquanto, a análise desse tema “Precedência”, destaque para a posição da Grande Loja Simbólica do Rio de Janeiro, em 1928, agraciada com uma posição hierárquica superior ao ser eleita única credenciada e competente pelo Supremo Conselho para assinar tratado em que é indicada autoridade responsável pela aplicação dos rituais novos nas outras Grandes Lojas, que não assinaram tratado semelhante. Essa autoridade implícita da Grande Loja do Rio de Janeiro sobre as demais está comprovada nas inúmeras correspondências arquivadas na secretaria de cada Grande Loja, através das quais procuram orientação ritualística e administrativa do Rio de Janeiro. Para citar fato relevante, há nos arquivos da Grande Loja do Rio Grande do Sul pranchas de 1950 perguntando à Grande Loja do Rio de Janeiro qual o Rito em prática, eis que não se parecia com o REAA.
Milhares de maçons das Grandes Lojas brasileiras perguntam em todos os Orientes do país porque os rituais têm sido alterados. O filósofo canadense Marshall Mcluhan, criador do termo Aldeia Global tem a explicação: “As respostas estão sempre dentro do problema, não fora.”

Ailton Pinto de Trindade Branco                           
Presidente da Oficina de Restauração do REAA

Janeiro/2015
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