RITO ESCOCÊS DO BRASIL - II
O RITUAL RENEGADO
Em 1874, quando o Visconde do Rio Branco era Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil e Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho do Brasil do Rito Escocês Antigo e Aceito, foi impresso um ritual completo para os três graus simbólicos do Rito no Brasil.
O prefácio está assim redigido: “O Sapientíssimo Grande Oriente do Brasil em sessão de 22 de setembro de 1874, E.V., resolveu autorizar todas as despesas precisas para a reimpressão das presentes guias. E o Muito Poderoso Supremo Conselho, em Assembléia de 01 de outubro do mesmo ano, autorizou ao Grande Secretário Geral da Ordem a mandar corrigir, rever e organizar as “Guias de trabalhos dos três Graus Simbólicos do Rito Escocês Antigo e Aceito”, fazendo para isso as despesas que forem necessárias. Em vista das supramencionadas disposições foram as presentes Guias corretas e publicadas pelo abaixo assinado, sendo auxiliado nesse mister pelo pessoal da Grande Secretaria Geral. Dr. Luiz Antônio da Silva Nazareth, Grande Secretário Geral”.
Em 1889, no Grão-Mestrado de Visconde Vieira da Silva, foi impressa outra edição do REAA, cópia de 1874. As duas apresentações são muito diferentes dos rituais que vieram a ser adotados pelo Supremo Conselho para os graus simbólicos das Grandes Lojas estaduais em 1928. A edição de 1874 usada no Brasil é tradução do segundo ritual francês do REAA, produzido pelo Grande Oriente de França em 1816. O primeiro ritual dos três graus simbólicos do REAA para o mundo surgiu em 1804, elaborado pela Grande Loja Geral Escocesa de Paris. Para recordar mais uma vez: o REAA produzido em 1801 nos Estados Unidos nasceu com apenas 30 graus próprios.
Quando o Supremo Conselho rompeu relações com o GOB renegou o ritual de 1874. Foi rasgado por questões meramente políticas. Esse ritual do simbolismo do REAA aprovado em Assembléia do Supremo Conselho tornou-se descartável para as Grandes Lojas por obra e graça do mesmo Supremo Conselho. Foi renegado depois da cisão de 1927. Uma verdade ritualística passou a ser uma mentira num passe de mágica.
O Supremo Conselho dirigido por Mário Behring inventou um rito novo para ser usado pelas Grandes Lojas Simbólicas estaduais, dando forma e conteúdo ao Rito Escocês do Brasil, que o Supremo Conselho denomina até hoje de Rito Escocês Antigo e Aceito. Não se encontra alegação consistente para entender que uma entidade como o Supremo Conselho, que parece zelar pela sua honorabilidade e credibilidade, faça vistas grossas para a constrangedora incompatibilidade ritualística entre os rituais dos graus simbólicos de 1874 e 1889 do REAA com os rituais de 1928, também com o mesmo nome.
Como atenuante, as pesquisas mostram que a ritualística dos graus simbólicos no começo dos anos 1900, que antecederam a criação das Grandes Lojas brasileiras, era pouco conhecida e aplicada nas reuniões das Lojas Capitulares. Essas Lojas trabalhavam nos graus mais elevados do Capítulo e com autoridade dirigente do grau Rosa-cruz. Os graus simbólicos eram ritualizados apenas nas Iniciações e como degraus de passagem. Em parte, por isso, o Supremo Conselho deu pouca importância aos rituais dos graus entregues às Grandes Lojas. A mudança de jurisdição era recente e qualquer rascunho de retalhos ritualísticos seria tolerado, como foi. Os maçons das primeiras 108 Lojas que aderiram ao Supremo Conselho transformando-se de Lojas Capitulares em Lojas Simbólicas quase nada sabiam de simbolismo.
O Supremo Conselho criou novos rituais para as Grandes Lojas para afrontar e contestar os rituais que ficaram com o Grande Oriente do Brasil. Nas Lojas Simbólicas pensaram que a transformação das Lojas Capitulares incluía rituais diferentes e embarcaram na onda das mudanças.
Os graus simbólicos tinham mínima valorização funcional nas Lojas Capitulares e o mesmo entendimento permaneceu nos anos seguintes ao surgimento das Lojas Simbólicas. Nas sessões das Lojas Capitulares que eram corpos mistos independentes com graus simbólicos e graus filosóficos, o Soberano Grande Comendador visitava a Oficina e participava dos trabalhos sem o avental. Depois da inclusão dos graus simbólicos escoceses no conjunto designado como maçonaria universal, onde o Soberano Comendador do REAA não tem autoridade jurisdicional, a presença física do grau 33 limita-se ao simbolismo e às prerrogativas do mestre maçom e deve obedecer aos regulamentos de funcionamento das Lojas simbólicas, ou seja, obrigatoriamente portar o avental. Mas essa exceção permaneceu por muito tempo nos trabalhos do REAA.
O entendimento de submissão das Grandes Lojas estaduais ao Supremo Conselho, apesar dos tratados de autonomia existentes entre essas Obediências em todo o Brasil estava muito impregnado. A leitura de antigas atas de assembléias das Grandes Lojas permite encontrar provas dessa servidão. Na abertura da ata da segunda Assembléia Geral da Grande Loja Simbólica do Rio Grande do Sul, em 15 de janeiro de 1929, consta: “reunidos os membros efetivos da Grande Loja Simbólica para a jurisdição do Estado do Rio Grande do Sul, obediente ao Soberano Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito para os Estados Unidos do Brasil...”. Note-se a palavra obediente. Documentos antigos mostram que as Grandes Lojas tiveram que retirar o nome do Rito Escocês Antigo e Aceito de seus registros e adotar a configuração do cargo de Grão-Mestre como dos Maçons Antigos, Livres e Aceitos para conseguir reconhecimento internacional. As Grandes Lojas dos Estados Unidos entendiam que a especificação do REAA vinculado ao nome da Grande Loja e de suas autoridades caracterizava falta de autonomia em relação Supremo Conselho. É notório que esses maçons brasileiros não tinham conhecimento e nem autoridade de fato para examinar, analisar e contestar um ritual que lhe foi imposto em 1928 em nome do REAA, um ritual anômalo e sem a identidade dos procedimentos históricos do Rito.
Ailton Pinto de Trindade Branco
Presidente da Oficina de Restauração do REAA
Novembro/2014